Entrevista sobre doença celíaca no fantastico.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O custo da Alimentação sem Glúten no Brasil

O glúten – uma proteína encontrada no trigo, cevada e centeio - está presente na alimentação de milhões de pessoas no mundo todo, fazendo parte da composição de alimentos como massas, pães, biscoitos, bolos, tortas, pizzas, espessantes, molhos e temperos, de bebidas como a cerveja e o whisky, e até mesmo de medicamentos e cosméticos.

Além de fazer parte da composição de cultivos de ampla distribuição – como o trigo – a popularidade do glúten se deve também à sua alta elasticidade: devido à seu tamanho e estrutura, o glúten permite que os componentes de alimentos como massas, pães e bolos permaneçam coesos, sem esfarelar, mesmo durante o processo de fermentação das massas. A leveza e suavidade deste emaranhado elástico é gentil ao paladar, somando prazer à experiência gustativa.

Apesar de seu sucesso do ponto de vista de engenharia alimentar, para um parcela relevante e crescente da população a ingestão desta proteína, ainda que em quantidades muito pequenas, é extremamente prejudicial à saúde. São os portadores da doença celíaca, uma doença crônica caracterizada por uma reação auto-imune ao glúten e que até recentemente era tida como rara, mas que com a descoberta de novos testes diagnósticos e maior conscientização poderá em poucos anos se posicionar entre as doenças hereditárias mais frequentes da atualidade. Estima-se que a doença celíaca – a qual exige a eliminação total e permanente do glúten da dieta – afete quase 1% da população de diversos países. Em São Paulo, por exemplo, estima-se que no mínimo 1 a cada 214 pessoas sejam portadoras da doença . Se extrapolados para os demais estados, seriam quase 1 milhão de brasileiros portadores, muito mais do que a população de capitais inteiras no país!
O efeito prejudicial da ingestão de glúten também já foi associado à diversas outras condições médicas, incluindo o autismo, esclerose múltipla, doença de chron, síndrome do intestino irritável, diversos tipos de sensibilidade ao glúten, dentre outros. A soma da demanda por uma dieta sem glúten por portadores destas condições e adeptos ‘saudáveis’ da dieta sem glúten (sem necessidade médica estrita da dieta) têm assim resultado em uma explosão na busca e consumo de produtos sem glúten no mundo inteiro, incluindo o Brasil.

A figura abaixo exemplifica esta demanda crescente, mostrando o crescimento do volume de buscas pelo termo ‘gluten free’ (‘sem glúten’) realizadas no Google nos últimos 5 anos. O crescimento é exponencial, tendo praticamente triplicado neste período.
















Figura 1. Crescimento no volume de buscas no Google, entre Janeiro de 2004 e Outubro de 2009, pelo termo ‘gluten free’. Os dados são padronizados pelo volume de buscas médio em Janeiro de 2004 (ou seja, já são corrigidos para o fato de que mais gente usa o Google e mais pesquisas no google são feitas atualmente). Assim, o valor 3 no eixo das coordenadas representa um volume de buscas 3 vezes maior que em janeiro de 2004. A linha pontilhada vermelha representa o crescimento exponencial das buscas (r2=0.93).

Nos Estados Unidos, por exemplo, o mercado de produtos sem glúten cresceu a uma taxa média de 28% ao ano de 2004 a 2008, com um volume de vendas de US$1.6 bilhões em 2008, e projetado para US$2.6 bilhões em 2012 (Packaged Facts in the brand-new report, “The Gluten-Free Food and Beverage Market: Trends and Developments Worldwide, 2nd Edition).

No Brasil, a tendência também é de crescimento, com centenas de novos produtos, serviços e negócios voltados à este setor tendo surgido recentemente. Além disso, o aumento na taxa de diagnóstico da doença celíaca e de outras condições nas quais a exclusão do glúten é praticada (como o autismo) deverão também contribuir para aumentar ainda mais a demanda no setor.

Apesar da busca crescente por tais produtos e da existência de uma parcela relevante da população que necessita destes produtos, ainda não existem dados sistemáticos sobre o custo da alimentação sem glúten no Brasil (e sua comparação com o custo da alimentação tradicional, com glúten). Também não são conhecidas possíveis diferenças geográficas, bem como o impacto econômico que a necessidade de adoção da dieta sem glúten impõe. A presente pesquisa tem portanto como objetivo fornecer tais dados através de um levantamento sistemático de preços em 5 capitais brasileiras

Metodologia
 
A pesquisa de preços foi realizada em 5 capitais brasileiras, a saber: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília e Florianópolis, no período de Setembro e Outubro de 2009.

Os produtos incluídos na coleta de preços foram aqueles pertencentes à gêneros alimentícios contendo glúten e frequentemente presentes na alimentação do brasileiro, para os quais a substituição por similar sem glúten se faz necessária. Um total de 7 produtos principais foram identificados, conforme indicado na tabela1.

Gêneros alimentícios incluídos na pesquisa de preços

-Pão: Pesquisado o preço do Pão de Forma, para o qual substituto sem glúten é mais disponível
-Farinha de trigo: A Farinha de trigo é comumente substituída por farinha de arroz, de milho, de mandioca, polvilho, fécula de batata e de mandioca, cujas proporções e quantidades são variáveis dependendo da refeição preparada. Para a farinha sem glúten, utilizamos uma média do preço destas farinhas.
-Macarrão: Pesquisados o preço do spaghetti e fuzzili
-Biscoito: Pesquisado o preço do biscoito doce simples (sem recheio) em ambos os casos (com e sem glúten)
-Torrada: Pesquisado o preço da torrada simples
-Bolo: Pesquisado o preço do bolo simples, doce, sem recheio ou cobertura, em ambos os casos (com e sem glúten)
-Cereal matinal: Incluídos cereais do tipo granola

Em todos os casos, e para permitir a comparação de valores, todos os preços foram padronizados para preço por quilo (R$/Kg).

Amostragem

Para cada um dos 7 gêneros alimentícios listados na tabela 1 em cada uma das 2 categorias (com glúten e sem glúten), em cada uma das 5 capitais amostradas, foram pesquisadas um mínimo de 3 marcas, provenientes de no mínimo 2 locais distintos (embora, em média, 10 marcas foram pesquisadas para cada produto em cada categoria). Durante a realização da coleta de dados, foi possível notar que, com exceção da cidade de Florianópolis, a disponibilidade de produtos sem glúten em supermercados e hipermercados comuns ainda é limitada, predominando em lojas de produtos naturais, empórios ou lojas especializadas em produtos sem glúten.
Ressalta-se que os dados não serão divulgados individualmente, já que não é objetivo da pesquisa a comparação de preços entre estabelecimentos comerciais ou entre marcas de produtos.

Custo Mensal da Cesta Básica

Foi calculado o custo mensal da cesta básica substituindo-se os itens com glúten presentes na cesta (pão e farinha), por seu equivalente sem glúten. Para tal, foram utilizados os gêneros alimentícios e quantidades presentes na composição da cesta básica nacional, a saber:

Cesta Básica Nacional. Produtos e Quantidades (em Kg quando não indicado).

-Pão: 6

-Farinha (farinha de trigo nas regiões centro-oeste, sul e sudeste): 1.5

-Feijão: 4.5

-Arroz: 3

-Batata: 6

-Tomate: 9

-Carne: 6.6

-Leite: 7.5 l

-Café: 600 g

-Banana: 7.5 dz

-Açúcar: 3

-Óleo: 1080 ml

-Manteiga: 750 g

O custo da cesta básica (incluindo os produtos com glúten) foi calculado como a média do custo da cesta básica nas capitais pesquisadas em Outubro de 2009 (dados provenientes do Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos). Para calcular o custo da cesta básica sem glúten em cada estado, substituiu-se o preço dos dois produtos com glúten (pão e farinha) pela média aritmética do preço de seu equivalente sem glúten no estado, considerando-se as quantidades estabelecidas acima

Validação dos Dados

Para determinar a representatividade de nossa amostra de preços, bem como a representatividade das diferenças de preços entre as capitais, comparou-se o preço da farinha de trigo obtido pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, Agosto/Setembro de 2009) nas 5 capitais com o preço da farinha de trigo na presente pesquisa nas mesmas 5 cidades. Adotou-se o preço da farinha como padrão de comparação, já que o tipo de pão pesquisado aqui (pão de forma) difere do pão pesquisado pelo Dieese (pãozinho francês, ou ‘pão de trigo’).

Em ambos os casos (Dieese e presente pesquisa), o Rio Grande do Sul foi o estado com menor preço/Kg (R$1.38/Kg e R$1.26/Kg, respectivamente). O preço médio (média das 5 capitais) da farinha de trigo pelo Dieese foi de R$1.85/Kg, enquanto o preço médio na pesquisa atual foi de R$2.02/Kg (diferença de 9.1%). Não houveram diferenças significativas entre as duas amostragens (teste-t para amostras pareadas: t4=-1.51, p=0.2).

Resultados


Foram amostrados um total de 443 produtos, pertencentes à 130 marcas, e provenientes de 17 locais (8 cadeias de supermercados e 9 lojas especializadas em produtos naturais e/ou sem glúten). Dentre os 7 gêneros alimentícios investigados, os produtos sem glúten foram mais caros em todos os casos, com diferenças de preço variando, em média, entre 57% (bolo) e 223% (pão).

Na Figura 2 é possível observar que as maiores diferenças de preço são observadas justamente para itens alimentares considerados mais básicos, como pão, farinha e macarrão. No geral, o consumidor paga em média 138% a mais pela aquisição de produtos sem glúten (considerando as 7 categorias conjuntamente).















Figura 2. Porcentagem de aumento médio de preço (R$/Kg) dos produtos sem glúten em relação ao preço dos produtos com glúten em 5 capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Florianópolis e Porto Alegre).


A Figura 3 mostra o preço médio (R$/Kg) dos produtos com glúten e seus similares sem glúten em cada um dos gêneros alimentícios. Apesar de mais caros, a diferença de preço para itens como ‘bolo’, ‘torrada’ e ‘biscoitos’ é menor do que a diferença de preço entre itens como ‘farinha’ e ‘pão’ (possivelmente em função do valor mais baixo dos itens contendo glúten nestas últimas categorias).

Figura 3. Preço médio (R$/Kg) das categorias de produtos com glúten e seus similares sem glúten em 5 capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Florianópolis e Porto Alegre). (Obs: Esclarecimentos sobre as Farinhas 1 e 2: tanto no caso da farinha 1 como da farinha 2 a farinha 'com glúten' é a farinha de trigo, como descrito. Já no caso da farinha sem glúten, a farinha 1 é o preço médio das farinhas de arroz, de milho, de mandioca, polvilho, fécula de batata e de mandioca, e o preço da farinha 2 é o preço da farinha especial sem glúten (uma mistura pré-pronta, específica para dietas sem glúten) que se compra em lojas especializadas.


Variações Geográficas no Custo da Alimentação sem glúten

Em todas as capitais estudadas o custo da alimentação sem glúten foi mais alto. No entanto, as maiores diferenças foram observadas para as cidades de Porto Alegre e Rio de Janeiro (Figura 4). Em Florianópolis, apesar dos produtos sem glúten custarem praticamente o dobro dos produtos com glúten, as diferenças percentuais foram as menores da amostra, possivelmente em função da maior disponibilidade de produtos sem glúten em supermercados e hipermercados nesta cida